Foi em Lisboa…
Foi naquela noite de Novembro em que uma enorme Lua decidiu desenhar, na superfície serena das águas do Rio Tejo, um tapete de luz branca e intensa, apenas recortado pela ondulação de uma embarcação que, lentamente, seguia em direcção à cidade…
Foi naquele concerto em que milhares de corpos se agitavam ao ritmo da melodia…
Foi naquela música…
Foi naquele momento…
…em que, por qualquer razão, a tua consciência se apagou…e todos te sentimos, lentamente, adormecer.
Reagi!...sim, e de imediato acompanhei a tua descida, suavizando a tua queda no chão, frio e sujo, daquela sala a borbulhar de energia e emoção.
Quando os nossos corpos finalmente terminaram aquela viagem, e te observei inanimada, tudo à minha volta se tornou insignificante…silencioso…em que apenas consegui ouvir, muito ao longe, ecos confusos de vozes e de música.
Sem hesitações peguei em ti e delicadamente transportei o teu corpo, desfalecido, à procura de uma possível ajuda.
Durante aqueles metros de preocupação, distância que parecia nunca mais terminar, amparei, no meu ombro, o teu rosto…a tua cabeça “perdida”…e senti!...senti aqueles cabelos suaves e belos…senti uma lenta e quente respiração no meu pescoço.
Um sentimento estranho, talvez de egoísmo, apoderou-se de mim. Eu não queria que aquele momento tivesse um fim! Queria eternizar, na história da minha existência, a tua e a minha momentânea fragilidade…o calor do teu corpo…a agitação do teu coração…aquele nosso “momento íntimo”. Queria ser eu, e apenas eu, a proteger-te!
Mas a realidade era bem diferente, tinha que ser. Entreguei-te a quem te poderia ajudar fisicamente…mas, hoje confesso, foi difícil desfazer-me de ti.
Na nossa despedida “silenciosa”, antes de entrares na “viatura da esperança”, ainda tive tempo de segurar, por momentos, na tua mão…e segredar-te em pensamentos: “Não tenhas medo…agora vai correr tudo bem”.
Como resposta, um discreto sorriso pareceu ter saído do teu sono profundo, provavelmente escapando-se por momentos a um dos teus sonhos, apenas para me dizer algo que eu, naquele instante, gritava por ouvir.
Partiste rapidamente, serpenteando pelas ruas “atarefadas” da cidade. Ainda te persegui mentalmente…até o som da sirene se tornar em mais um dos ruídos da metrópole.
Passados alguns anos regressei à mesma sala, ao mesmo concerto…e…na mesma música, no mesmo momento…senti um corpo, os sons transformaram-se em ecos longínquos, uma mão tocou na minha pele, luzes de várias cores iluminavam freneticamente o público, senti aquela respiração quente a percorrer o meu pescoço, mais à frente um casal trocava carinhos inocentes, senti um aroma inesquecível…intemporal, na confusão alguém gritava por uma determinada música, ouvi uma voz desconhecida, mas facilmente identificável, que me disse ao ouvido: “Eu estou bem”…um enorme encontrão, provocado por aquela sala…provocado por aquela massa de corpos, atirou-me ao chão.
Atordoado, levantei-me à tua procura. E, no meio daquele caos mágico, ainda consegui ver, por momentos, aqueles mesmos cabelos compridos, que anos antes tocaram o meu rosto, desaparecerem no meio da multidão.
Sorri…e senti novamente a música…no instante em que se cantava…
“I
I was standing
You were there
Two worlds collided
And they could never tear us apart”
Lá fora, uma enorme Lua voltava a projectar, no Tejo, a mesma linha de luz…como que a querer dizer…”Os momentos especiais…belos…sempre se repetem”.
Baseado num acontecimento verídico…
“Continuem a frequentar estas areias…”